domingo, 13 de março de 2016

Rubrica - O artigo do mês de Março de 2016

De modo a mantermos activo este segundo blogue, iniciamos a partir de hoje uma rubrica mensal que visa transcrever os artigos mais pertinentes que saem na imprensa (um por cada mês). Tentaremos trazer textos com conteúdos diferenciados, sejam eles da esfera nacional ou internacional. 
Passaremos a citar aquele que seleccionamos para o mês de Março:




Título do Artigo - A Turquia exige, a UE paga e os refugiados sofrem
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1. Nada exemplifica melhor a actual Turquia que o estado lastimável da liberdade de expressão e a pressão sobre os opositores ao poder instituído. Ao mesmo tempo que o ambiente de intimidação se torna o novo normal da vida política do país — com sucessivos ataques à liberdade de imprensa —, ideologias radicalmente anti-democráticas têm o seu terreno livre. O contraste não podia ser mais flagrante. Enquanto o jornal Zaman, crítico do governo do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento) de Davutoglu e do Presidente Erdogan, era encerrado, o grupo islamista radical Hizb ut-Tahrir reunia-se em Ancara para discutir o restabelecimento do califado. A conferência para o restabelecimento do califado decorreu num pavilhão desportivo da capital com o nome de Atatürk — ironicamente, o fundador da Turquia moderna, a quem se deve a abolição do califado em 1924. Anteriormente, o Hizb ut-Tahrir tinha feito uma conferência internacional, em Istambul, na altura que se cumprem noventa e dois anos da supressão dessa instituição político-religiosa islâmica. (Ver "Radical Islamist Hizb ut-Tahrir calls for caliphate in grand meeting in Ankara” in Hürriyet Daily News, 9/03/2016).

2. É um equívoco pensar que a actual deriva autoritária da Turquia se deve fundamentalmente às dificuldades criadas pela União Europeia nas negociações de adesão. Há uma parte de verdade nisso, mas é uma leitura que subestima, ou não compreende, a sociologia e política interna do país. É injusta para os partidos mais genuinamente pró-europeus e seculares – o CHP (Partido Republicano do Povo) e os curdos do HDP (Partido Democrático do Povo) – que enfrentam, há muito tempo, uma situação interna difícil. Idealiza um AKP e um Erdogan pró-europeísta, nos primórdios da chegada ao poder, que nunca existiu. Nem hoje, nem no passado, a maioria dos seus eleitores, imbuída de valores muçulmanos profundamente conservadores, se identificou com os valores democráticos, seculares e pós-modernos europeus. Esse europeísmo de conveniência foi útil para enfraquecer os alicerces do Estado secular, garantido pelos militares e outras instituições públicas herdadas de Atatürk. Resultava de uma compreensível ambição de aceder ao bem-estar material dos europeus. Mas não mais do que isso. O problema é que a União Europeia é uma organização de natureza quase-constitucional, com tudo aquilo que implica ao nível dos Estados.

3. Para os que apoiam a adesão da Turquia, imaginado vantagens estratégicas, convém pensarem de forma abrangente em todas as implicações. Se esta se tivesse concretizado assistiríamos hoje à internalização do problema dos refugiados da guerra da Síria numa dimensão muito superior à actual. Em território da Turquia estarão já mais de 2,7 milhões. Passavam, automaticamente, a estar num território da União Europeia. Podemos imaginar o que ocorreria numa situação de exposição directa das fronteiras europeias a esse conflito devastador. A Turquia poderia exigir a sua redistribuição. A tentação de outros Estados-Membros, sob pressão de movimentos populistas e de uma opinião pública alarmada, em repor o controlo permanente das fronteiras nacionais, seria grande. As pressões sobre o espaço Schengen levariam, provavelmente, ao seu abandono. Um conflito político grave entre os Estados-Membros seria previsível de ocorrer. (Ver “E se a Turquia fosse membro da União Europeia?” in Público 19/10/2015). O dramatismo que vimos na crise da Grécia e da Zona Euro — e na actual crise dos refugiados sem esses contornos —, pode dar-nos uma pálida ideia do que seria uma crise política dessa envergadura. Talvez um golpe fatal para a própria União.

4. A Turquia de inclinação autoritária, cada vez mais relegando a democracia a um mero jogo eleitoral, é a aposta desesperada dos líderes europeus para resolver a crise dos refugiados, especialmente de Angela Merkel. Estamos perante um choque frontal com os valores em torno dos quais se constituiu a União. O artigo 2.° do Tratado da União Europeia estabelece os seus alicerces “nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito pelos Direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias.” Acrescenta, ainda, o artigo 49.º, sobre os candidatos à adesão, que estes deverão respeitar os valores referidos no artigo 2.º e estar empenhados em promovê-los. O que faz a Turquia, enquanto país candidato? Para além das condicionantes à liberdade de opinião e de imprensa, intensifica as restrições às minorias, especialmente aos curdos. Se há altura em que as negociações de adesão deviam servir para pressionar o respeito de valores democráticos e pluralistas, seria esta. O que faz a União Europeia? Premeia a Turquia estando disposta estender as negociações a novas áreas, a permitir a entrada de cidadãos turcos no espaço Schengen sem vistos, e a pagar-lhe mais três mil milhões de euros para acolher / manter refugiados ou migrantes económicos no seu território.

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